Única vereadora de Sinop (MT), Graciele Marques resiste aos ataques e ameaças do bolsonarismo
“Eles repudiam minha existência”, desabafa a vereadora e professora Graciele Marques dos Santos. Após a vitória de Lula, o que se vê no coração do agronegócio e reduto bolsonarista não tem paralelo na história da região
São Paulo – Única mulher e do PT entre 15 vereadores da Câmara Municipal de Sinop, em Mato Grosso, a professora Graciele Marques dos Santos, 37 anos, vem enfrentando ameaças de morte e ataques por parte de opositores na cidade. Em seu primeiro mandato, a parlamentar já teve seu carro riscado duas vezes, precisou registrar boletins de ocorrência na delegacia em ao menos cinco ocasiões, além de ter sofrido duas ameaças de morte. Todos esses desafios vêm se acumulando em 22 meses de mandato.
No mais recente, a petista foi hostilizada na segunda-feira (28) por bolsonaristas golpistas que ocuparam a Casa Legislativa para atacá-la. Motivados por uma fake news que circulou em grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), de que Graciele iria protocolar um projeto de lei para retirar da cidade os acampamentos antidemocráticos, eles dispararam ofensas à parlamentar, xingando-a de “vagabunda”, “ratazana”, e “Filha da p***”. Vídeos que circulam pelas redes sociais mostram ainda que, durante a fala da vereadora no púlpito, os golpistas ficaram e costas para ela, mas seguiram a ofendendo.
Distante 503 quilômetros de Cuiabá, Sinop é conhecida como o coração do agronegócio no estado. Os últimos 20 anos, o que inclui os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2013-2016), ajudaram a consolidar a fama da cidade, que passou de pólo madeireiro para lugar de destaque na produção agrícola. Em paralelo, é também um reduto bolsonarista. O presidente derrotado ganhou com 76,59% dos votos na corrida contra o candidato eleito. Desde então, grupos golpistas realizam manifestações e acampam na cidade contra o resultado das urnas.
‘Repudiam minha existência’
Moradores mais antigos afirmam que Sinop sempre foi mais à direita desde a sua fundação, em 1974. E que a esquerda sempre enfrentou dificuldade para se estabelecer a longo prazo. Mas uma reportagem da Agência Pública, divulgada no início de de novembro, mostra que, após a vitória do petista, a perseguição contra progressistas atualmente não tem paralelo na história da região. A vereadora e professora Graciele confirma.
“Eles repudiam a minha existência”, desabafou, em entrevista publicada nesta quarta (30) pelo portal UOL. “Eu defendo a pauta LGBTI+, defendo o combate ao racismo, defendo a não privatização da educação e da saúde, defendo a preservação da Amazônia. São todas as pautas que incomodam demais”, apontou. A parlamentar, por outro lado, não tem obtido apoio das forças de segurança de Sinop e nem da Câmara Municipal.
Ao contrário, os atos golpistas têm recebido apoio político e empresarial da região. O que inclui o presidente da Câmara, Elbio Volkweis (Patriotas), filmado em bloqueios nas estradas ao lado de um suspeito de atear fogo em caminhões. Ele também foi flagrado rindo do ataque contra Graciele na última segunda. O próprio prefeito de Sinop, Roberto Dorner (Republicanos), fazendeiro, dono de afiliadas da emissora SBT, compareceu pelo menos três vezes ao local dos protestos para conversar com os bolsonaristas e manifestar apoio ao que chama de “reclamação”.
‘Não penso na desistência’
“É assustador você imaginar que essas pessoas, que se dizem defensoras da família, de Deus e do bem, olham para uma mulher, eleita democraticamente, mãe também, e têm a liberdade e naturalidade de praticar todo tipo de ofensa e ameaça. É muito difícil olhar para isso e saber que estamos muito distantes de mudar essa realidade”, lamenta a vereadora Graciele.
Graciele foi eleita em 2020 com 1.122 votos – a oitava maior votação. O resultado impressionou a parlamentar que imagina que essa seria uma candidatura para o futuro. Natural do Paraná, ela se mudou com a família para Sinop aos três anos de idade e cresceu nas periferias do município, que garantiram a sua vitória. É pelo compromisso com movimentos sociais e raciais que ela se mantém na vida política institucional, apesar dos desafios.
“Quando eu olho para o campo pessoal não vale a pena seguir, mas quando eu olho para a coletividade, e para todos que vieram antes de mim, eu não me sinto no direito de desistir, de abandonar. Sinop não esperava nunca eleger alguém de esquerda, então não penso na desistência, mas penso em criar mecanismos para me sentir segura”, garantiu. Por conta da falta de segurança, a vereadora e professora não esconde o medo e vem tentando pensar em alternativas para garantir sua proteção.
Solidariedade e segurança
Após o ataque nesta segunda, diversos parlamentares de todo o país passaram a se solidarizar com Graciele. O diretório nacional do PT e o próprio Lula também pediram à parlamentar materiais para que o partido possa sugerir contribuições. “A violência política de gênero causou danos irreparáveis na política brasileira nos últimos anos. As mulheres precisam ser respeitadas na política e nosso país precisa recuperar a paz e a democracia”, escreveu o presidente eleito.